A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) recebeu em julho uma notificação de um caso de peste suína africana (PSA) na República Dominicana, país da América Central. O Brasil é considerado livre da doença desde 1984, mas a notícia preocupa a suinocultura brasileira e acende o sinal de alerta.
Isso porque a PSA não gera risco a humanos, mas é altamente mortal para os suínos, informou a Yes, empresa de biotecnologia em nutrição animal, em nota divulgada à imprensa na quarta-feira (18). Trata-se de uma doença altamente contagiosa que não tem cura nem tratamento. Em 2018, continua a empresa, um surto da peste suína africana na China dizimou metade do rebanho de suínos daquele país, o maior do mundo, desequilibrando o mercado global de carnes. A China ainda procura refazer seu plantel. Desde o início de 2021, um total de 11 surtos de PSA foram oficialmente reportados na China, envolvendo oito províncias.
“O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) [do Brasil] vem agindo de uma forma muito rápida, divulgando medidas assertivas a respeito das fiscalizações em portos, aeroportos, restrição em relação à entrada de visitantes em granjas e o tratamento térmico adequado de resíduos alimentares oriundos de aeronaves e navios vindos do exterior”, disse a coordenadora técnica e de Pesquisas da Yesssinergy, Verônica Lisboa, em nota. “Ainda, é importante que os suinocultores e as agroindústrias intensifiquem os procedimentos de biossegurança em toda a cadeia produtiva.” A seguir, acompanhe artigo de autoria da especialista, encaminhado junto ao comunicado de imprensa:
Uma enfermidade com altas taxas de mortalidade
Uma vez contaminado, o suíno apresenta alguns sinais clínicos facilmente observados: como febre (acima de 42 graus), diarreia com presença de sangue, edema nas articulações, necrose na pele, hemorragia, vermelhidão na ponta de orelha, na cauda, no abdômen, em membros distais, vômitos e abortos. Muitas vezes, entre 24 e 48 horas antes do óbito, esses animais apresentam falta de coordenação motora muito grande, inapetência e apatia.
Outro fator a ser considerado entre as medidas preventivas é a manutenção do sistema de defesa dos animais fortalecido, ou seja, preparado para responder aos mais variados desafios encontrados pela produção animal, incluindo as enfermidades virais.
Em recente publicação, Franzoni et al., 2021, pontuaram que dada a relevância da infecção por PSA, a compreensão mais aprofundada sobre as respostas imunológicas dos suínos frente ao vírus deve ser mais bem compreendida e abordada.
Para entender a importância do sistema de defesa ante à PSA, devemos entender como o sistema imune dos suínos reage ao vírus: o vírus da PSA infecta predominantemente monócitos e macrófagos (Sánchez et al., 2012), os quais são células que desempenham um papel crítico no sistema imunológico, uma vez que podem iniciar a resposta imunológica pela secreção de interleucinas e executar a eliminação de patógenos por meio de fagocitose (Reis et al., 2017).
Após a infecção, o vírus induz apoptose (morte celular) de linfócitos infectados, ou não, (Ibanez et al., 1996), desencadeando um quadro de linfopenia, também marcante na patogenia da PSA.
Diversas pesquisas científicas (Teijaro et al., 2017; Basler et al., 2017; Zhu et al., 2019; Wang et al., 2020) reportam a patogênese do vírus ligada à elevada produção de interleucinas pró-inflamatórias, produzidas pelos monócitos e macrófagos infectados constituindo o evento chamado “tempestade de citocinas”, sendo este considerado por pesquisadores como sendo o cerne da doença e a causa inicial da elevada mortalidade.
A tempestade de citocinas pode ser definida como uma reação fisiológica em que o sistema imunitário inato provoca uma liberação descontrolada e excessiva de citocinas pró-inflamatórias (Fig. 1).
Em recente estudo realizado por Zhu et al., 2019, ao analisarem as interleucinas produzidas por macrófagos suínos (ex vivo; N.e.: locução latina que designa o procedimento cirúrgico no qual um órgão é trabalhado fora do organismo e depois recolocado em seu local original) infectados pela PSA, os autores observaram que as citocinas da família TNF podem desempenhar papel importante na patologia da doença, ao relatarem a observação da expressão significativamente alta de sete citocinas pró-inflamatórias TNF (FASLG, LTA, LTB, TNFSF4, TNFSF10, TNFSF13B e TNFSF18), horas após a infecção.
É importante ressaltar que essas citocinas não induzem apenas a morte celular/apoptose, mas também causam inflamação do tecido (Croft et al., 2017), bem como as interleucinas FASLG e TNFSF10 podem desencadear apoptose em células CD4+ e CD8+ (Roe et al., 2004), o que poderia explicar a linfopenia durante a infecção por PSA. Além disso, foi observada a Up-regulation da interleucina pró-inflamatória IL-17A após apenas nove horas de infecção.
Em contrapartida, os autores relataram a queda na produção das interleucinas anti-inflamatórias IL-10 e IL-10RA e postularam que o vírus da PSA expressa várias proteínas que inibem as vias de sinalização para a produção destas interleucinas.
A regulação negativa da expressão dos marcadores anti-inflamatórios coincidiu com o aumento significativo dos genes virais.
Estudos recentes postularam que a IL-10 pode desempenhar função fundamental na estratégia de combate à PSA (Sánchez-Cordón, 2020). Ensaios anteriores de vacinas experimentais também sugeriram que a IL-10 pode ajudar a controlar as primeiras etapas da replicação viral e mitigar os custos prejudiciais de uma resposta inflamatória intensificada, a qual caracteriza infecções agudas por PSA (Sánchez-Cordón, 2018).
Wang et al., 2021, avaliaram os parâmetros de imunidade de suínos infectados com a PSA. De acordo com os autores, os animais desenvolveram sintomas clínicos graves três dias após a inoculação do vírus e morreram de 7 a 8 após.
A análise do soro revelou uma tendência de elevação robusta e sustentada das interleucinas pró-inflamatórias: TNF-a, IFN-a, IL-1b, IL-6, IL-8, IL-12 e IL-18. O aumento na IL-10 foi observado somente na fase terminal da infecção. Esse padrão de secreção corresponde à já citada tempestade típica de citocinas, caracterizada pelo início desregulado da secreção de IL’s pró-inflamatórias e resposta anti-inflamatória desequilibrada.
O papel das células CD8+
As células T citotóxicas desempenham um papel importante na proteção contra antígenos intracelulares (Franzoni et al., 2021) e, especialmente as células TCD8α+, atuam de forma importante na imunidade protetora contra PSA (Oura et al., 2005).
Após a exposição a uma cepa de PSA de baixa virulência, os suínos tiveram sua taxa de linfócitos CD8α+ drasticamente diminuída. Desafio subsequente com cepa homóloga, mas virulenta, revelou que os animais esgotados que tiveram a queda nos linfócitos CD8α+ sofreram de PSA aguda grave e morreram, enquanto os animais que possuíam valores normais de CD8α+ apresentaram apenas sintomas clínicos leves e sobreviveram (Montoya et al., 2021).
Uma referência inicial a células efetoras TCD8+ específicas para PSA é relatada por Norley e Wardley (1984) [N.e.: uma célula efetora é qualquer um dos vários tipos de células que respondem ativamente a um estímulo e afetam algumas mudanças; as células efetoras existem em alta frequência apenas transitoriamente durante uma resposta imunológica]. Os autores infectaram suínos com um isolado virulento de Uganda e examinaram o sangue periférico de células mononucleares (PBMCs) destes animais. As células efetoras foram capazes de atacar especificamente as células infectadas com PSA. Uma vez que PBMCs não separados foram usados, assumiu-se que as células CD8+ foram envolvidos na citotoxicidade.
Uso de imunomoduladores na produção animal
Segundo Blecha, F. (2001), o objetivo da imunomodulação em animais de produção é equilibrar a resposta imune em benefício do animal e da eficiência da produção. Os imunomoduladores são substâncias que agem sobre esse mecanismo.
Embora o tratamento e a prevenção de doenças infecciosas sejam as razões mais comuns para o uso de imunomoduladores, outras condições, como melhora da imunossupressão induzida por estresse, maturação da resposta imune em desenvolvimento do recém-nascido e estratégias para reduzir o custo metabólico de desencadear uma resposta imune, também são bem adequadas para o seu uso.
A descoberta contínua de novos reguladores imunológicos e o aumento da compreensão da imunidade em animais de produção garantirão novas oportunidades para o uso desses aditivos (Dhama et al., 2015).
A Yessinergy apresenta em seu portfólio um potente imunomodulador, fonte de 1,3 e 1,6 β-glucanos purificados e concentrados, oriundos da parede celular de leveduras Saccharomyces cerevisiae. Trata-se de um aditivo natural com comprovadas propriedades imunomodulatórias.
Em pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP), campus Ribeirão Preto (SP), com o objetivo de avaliar a resposta imunológica de macrófagos induzida por LPS, o imunomodulador apresentou efeito imunomodulatório ao elevar a produção da IL-10 e diminuir a produção das interleucinas pró-inflamatórias em situação anterior ao desafio, ou seja, sem desencadear uma resposta imune exacerbada e preparando os animais para responder a possíveis desafios, de forma mais efetiva.
Quando avaliado em situação de desafio já instalado, aumentou a IL-6, o que é necessário em situações de enfermidades, visando sinalizar ao organismo a necessidade de recrutamento de células imune para que se inicie o processo de defesa contra o agente invasor, porém, não alterou a produção de TNF-α, o que evita uma resposta inflamatória exacerbada e desequilibrada, e, mais importante, induziu um aumento de IL-10, importante para controlar a resposta inflamatória.
Em estudo realizado na Universidade Austral do Chile, a fim de avaliar os efeitos na expressão de marcadores imunes em células shk-1 de salmão Salar, o imunomodulador proporcionou resposta equilibrada dos marcadores pró e anti-inflamatórios, destacando-se, mais uma vez, o aumento na produção da IL-10.
Em pesquisa realizada na Universidade Federal da Grande Dourados, Faculdade de Ciências da Saúde, em Mato Grosso do Sul, com o objetivo de avaliar o efeito do aditivo como imunomodulador diante de baixo desafio com Salmonella entérica em cobaias, o modelo preditivo para suínos foi adotado. Mais uma vez, o efeito imunomodulador foi comprovado, ao serem observados a diminuição das interleucinas TNF-α e o aumento na expressão da interleucina IL-10, além do controle da Salmonella.
Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Dracena (SP), o imunomodulador foi adicionado à dieta de poedeiras com o intuito de verificar o seu efeito sobre parâmetros imunes dos animais. As aves que receberam o imunomodulador na dieta apresentaram monócitos e heterófilos com intensidade fagocítica significativamente maior, além de maior relação de células CD4+:CD8+, quando comparado ao grupo de animais que não receberam o aditivo na dieta.
O estudo da imunomodulação tem o potencial de produzir percepções fundamentais na regulação da inflamação e de como as células respondem à agressão (Barrado-Gil, 2021).
Desse modo, acredita-se que a introdução do aditivo à dieta dos animais poderá proporcionar outro padrão de resposta de imunidade celular, reduzindo os efeitos da agressão, imunomodulando o sistema de defesa dos suínos e os tornando mais bem preparados aos principais desafios, incluindo os virais, como a PSA.
Ressalta-se que não existe vacina para a PSA, mas devido à alta virulência e contágio apresentados pela doença, todas as medidas que possam atuar no sentido de fortalecer os animais e prevenir a entrada do vírus nos rebanhos é de grande valia à cadeia produtiva.
Sobre a autora
Verônica Lisboa é coordenadora técnica e de Pesquisas da Yesssinergy